quarta-feira, 1 de maio de 2013

Pequenas e grandes mistificações no reino dos cortes orçamentais.


O país anda todo um bocado distraído com os números muito grandes e não presta atenção aos mais pequenos e aos pormenores, que muitas vezes fazem a diferença, entre o rigor e a manipulação em favor das “crenças” ideológicas que nos querem impor.

Vem isto a propósito do alarme feito à volta da necessidade de fazer cortes adicionais de despesas no Orçamento de Estado em vigor pela via de um orçamento rectificativo (mais um) para compensar o aumento da despesa resultante do chumbo do Tribunal Constitucional às normas consideradas inconstitucionais do mesmo OE (chumbo antecipadamente anunciado e possibilidade que foi claramente ignorada pelo Governo que teve alguma sorte em não ver consideradas inconstitucionais mais uma ou duas normas com a incidência correspondente no aumento de despesa).

Não há dúvida de que a decisão do Tribunal Constitucional implica um aumento de despesa do Estado de perto de 1 300 milhões de euros. Mas não se percebe e não foi explicado porque quer agora o Governo cortar directamente um montante de igual valor só para compensar esse aumento de despesa. Isto porque o aumento de despesa também se traduz num aumento de receita para o Estado, ainda que obviamente inferior ao aumento de despesa.

Senão vejamos:-

A taxa média de IRS daqueles que vão ser beneficiados com mais algum rendimento proveniente daquele aumento de despesa deverá rondar no mínimo 20%; como face à situação de dificuldade económica das famílias estas não têm margem significativa de poupança, o que receberem a mais vai quase integralmente para consumo de bens essenciais e necessidades urgentes o que significará, mesmo com aquisição de géneros alimentares com a taxa reduzida de IVA de 6%, haverá que contar com muito consumo de bens e serviços à taxa de 23%. Daí que será de contar que entre o acréscimo de receita com IRS e do IVA, o Estado arrecadará entre 30 a 35% mais, ou seja entre 400 000 000 e 450 000 000 de euros.

Assim sendo as necessidades de cortes adicionais na despesa deverão situar-se por volta dos 850 000 000 de euros. O que deixa imediatamente a pergunta:- Que outro dos habituais seus buracos quer o Ministro Gaspar tapar com este corte acima das necessidades que o chumbo do Constitucional implica? Ou não será apenas mais uma tentativa de manipular a opinião pública de forma considerar a inevitabilidade dos cortes e responsabilizar o Tribunal Constitucional pelo falhanço desastroso das políticas que ao seu ultraliberalismo e subserviência perante os grandes interesses financeiros alemães e mundiais? A conclusão parece clara.

Para além disso o aumento de rendimento disponível de um grupo alargado de portugueses, mesmo que modesto, vai corresponder a uma injecção de dinheiro na economia e provavelmente minorar, durante algum tempo o ritmo de falências e de aumento de desemprego, permitindo ganhar algum tempo e afrouxando um pouco o aumento de custos com subsídio de desemprego, o que também é vantajoso para o Estado. E deixará alguns empresários a pensar que com alguma animação do mercado interno talvez valha a pena investir.

E que falar da tentativa de mistificação a respeito da necessidade de andar a rever as tabelas de retenção de IRS, quando se diz que não se quer aumentar a carga fiscal? Então quem vai receber o subsídio de Natal não vai ver retido com a taxa definida já sobre o mesmo? E o IRS não é um imposto que só é apurado definitivamente no momento da entrega da declaração anual? E quantos portugueses que vão receber o acréscimo com subsídio mudarão de escalão final de IRS com o acréscimo de 6% a 7% do seu rendimento anual? E não se tem verificado que grande número dos trabalhadores por conta de outrem e pensionistas acaba por ser reembolsado do imposto retido a mais durante o ano, o que funciona como uma forma de empréstimo forçado ao Estado?

Todos sabemos que a situação do País, muito por culpa dos grandes especuladores financeiros internacionais, que não por pecado seu, está numa difícil situação financeira, económica e social, que neste último caso se aproxima da catástrofe. E que é preciso fazer alguns sacrifícios durante mais tempo do que seria desejável. Mas se não forem claros com os portugueses, deixando de parte os pequenas/grandes jogos políticos (o país não é um mero tabuleiro de xadrez e os portugueses não podem ser meros peões do jogo e unidades estatísticas de uma folha de Excel) não será possível conseguir qualquer tipo do tão reclamado consenso sobre as estratégias de médio e longo prazo para Portugal.

Mas falem verdade e não nos tentem manipular para fazer vingar concepções ideológicas ultraliberais, que foram as responsáveis com a ascensão ao poder de Reagan nos e EUA e Thatcher na Inglaterra, pela desregulação dos mercados financeiros internacionais e da especulação financeira desenfreada que nos conduziu a crise financeira de 2008.

Pede-se que o Ministro das Finanças tenha respeito pela nossa inteligência, mesmo que a considere pouca.

sábado, 26 de janeiro de 2013

O PS e as perspectivas de uma crise política em Portugal em 2013


Este final de semana foi marcado por alguma agitação no PS, que vai levar a uma reunião da sua Comissão Política Nacional na próxima terça-feira, 29/1 e a uma Comissão Política Nacional destinada a marcar o futuro XIX Congresso Nacional, as eleições directas para Secretário-Geral e a aprovar o Regulamento do Congresso, que já terá lugar na vigência dos Estatutos actualizados no Congresso anterior.

Sou daqueles que sempre considerou que o actual Governo PSD/CDS dificilmente aguentaria mais de dois anos face à sua génese e contradições de sempre e às suas orientações políticas ultraliberais, mascaradas com promessas eleitorais absolutamente contraditórias com o que eram as opções político-ideológicas dos dois partidos no final de 2010 e início de 2011, e com os compromissos que tinham assinado no âmbito do memorando Portugal/Troika.

Sou também dos poucos militantes do PS que nos órgãos a que pertenço e em reuniões de debate político tem defendido não ter ainda o PS apresentado uma alternativa política global que seja convincente em termos de estabilidade política e governativa. E que vai ter muita dificuldade de o fazer devido aos compromissos que assinou enquanto Governo de José Sócrates com a Troika, aos descrédito generalizado dos portugueses nos actores políticos que as redes sociais vêm acentuando, muitas vezes de forma injusta, e à óbvia impossibilidade de realizar acordos à esquerda mantendo os compromissos assinados com os nossos parceiros europeus que são essenciais para garantir a solvência do País no curto prazo.

Esta perspectiva de crise governamental não é afastada pelo “sucesso” como agora é apresentada a emissão de dívida pública desta semana e a concessão de um prazo maior para pagamento dos empréstimos concedido pela EU e pelo BCE (sem prejuízo de serem notícias positivas para Portugal). Sucesso que tem sobretudo a ver com uma manobra de apoio ao Governo pelos responsáveis pela Troika para tentarem justificar que o processo de ajustamento português está correr bem quando a situação económica e social caminha rapidamente para catástrofe, mas que fica ainda aquém das condições que o PS vem reclamando para que seja possível uma política de consolidação orçamental e da dívida pública sustentável acompanhada de crescimento económico e do emprego que não degrade ainda mais as condições de vida dos portugueses.

Perante esta perspectiva de crise e realizações antecipadas que a chamada “reestruturação das Funções Sociais do Estado” e a dificuldade em no próximo ano encontrar mais privatizações como as da ANA para tapar o buraco do deficit (e ainda resta saber se o Eurostat vai aceitar a manobra contabilística deste ano com a concessão da ANA), o PS agita-se e António José Seguro irrita-se, o que não é uma boa reacção do Secretário-Geral.

Mas quem se agita no PS?. Por um lado os apoiantes de uma potencial candidatura de António Costa a Secretário-geral, que é perfeitamente natural que possa acontecer num partido democrático como o PS, e que que não deve motivar irritações ninguém, ainda que sendo amigo de Costa pense que deveria tê-la apresentado em 2011 e que não deveria ter passado este tempo a manter uma indefinição que não é favorável à necessidade de estabilidade e reorganização do PS.

Mas onde se sente mais esta agitação no PS? Claramente a nível de Grupo Parlamentar, hoje maioritariamente constituído por deputados escolhidos por José Sócrates e seus fiéis, muitos deles claramente responsáveis por erros políticos de palmatória cometidos na base do seguidismo acrítico do chefe.

É que com a possibilidade de eleições muitos desses deputados sabem que com a actual liderança do PS e com a introdução das eleições primárias internas não terão possibilidade de ser de novo incluídos nas listas em lugares elegíveis. Daí a sua impaciência e a necessidade de provocar alterações a curto prazo, de forma a baralhar e dar de novo, para ver se a nova “mão” é mais favorável.

É pois necessário que no PS se clarifiquem as águas, mas que serenidade prevaleça e que os militantes saibam distinguir o essencial do acessório e que nas próximas eleições façam escolhas com base em propostas de estratégias políticas fundamentadas e viáveis, que girarão à volta de duas alternativas:

-Pode o PS denunciar o acordo com a Troika de que foi principal negociador para procurar bases para uma coligação à esquerda que me parece extremamente difícil de estabelecer em bases seguras?

-O PS deve aguardar que o Governo caia por si, de “maduro”, mesmo com alguns empurrões, e tentar a partir daí obter uma maioria absoluta, como parecer acreditar a actual Direcção do PS?

- Ou a solução para os problemas nacionais, que exigem um consenso sério e não de fachada como aquele que actual Governo pretende fazer quere que defende, devem fazer com que o PS se empenhe em explorar a possibilidade de constituição de um governo de base alargada à sua esquerda e direita, o que não será fácil, dispondo-se a sacrificar alguns dos seus interesses partidários (que não os princípios e valores fundadores) durante algum tempo para mais facilmente ultrapassar a situação do País?

Em qualquer caso a importância do PS reforçar a sua acção de oposição construtiva e de projecto, no plano interno e com grande empenho, nomeadamente no Parlamento Europeu, Fóruns Comunitários e junto dos partidos irmãos do Partido Socialista Europeu, não pode ser descurada.

E, para isso, venha o Congresso da clarificação o mais cedo possível.