O país anda
todo um bocado distraído com os números muito grandes e não presta atenção aos
mais pequenos e aos pormenores, que muitas vezes fazem a diferença, entre o
rigor e a manipulação em favor das “crenças” ideológicas que nos querem impor.
Vem isto a
propósito do alarme feito à volta da necessidade de fazer cortes adicionais de
despesas no Orçamento de Estado em vigor pela via de um orçamento rectificativo
(mais um) para compensar o aumento da despesa resultante do chumbo do Tribunal
Constitucional às normas consideradas inconstitucionais do mesmo OE (chumbo
antecipadamente anunciado e possibilidade que foi claramente ignorada pelo
Governo que teve alguma sorte em não ver consideradas inconstitucionais mais
uma ou duas normas com a incidência correspondente no aumento de despesa).
Não há dúvida
de que a decisão do Tribunal Constitucional implica um aumento de despesa do
Estado de perto de 1 300 milhões de euros. Mas não se percebe e não foi
explicado porque quer agora o Governo cortar directamente um montante de igual
valor só para compensar esse aumento de despesa. Isto porque o aumento de
despesa também se traduz num aumento de receita para o Estado, ainda que
obviamente inferior ao aumento de despesa.
Senão
vejamos:-
A taxa média
de IRS daqueles que vão ser beneficiados com mais algum rendimento proveniente
daquele aumento de despesa deverá rondar no mínimo 20%; como face à situação de
dificuldade económica das famílias estas não têm margem significativa de
poupança, o que receberem a mais vai quase integralmente para consumo de bens essenciais
e necessidades urgentes o que significará, mesmo com aquisição de géneros
alimentares com a taxa reduzida de IVA de 6%, haverá que contar com muito
consumo de bens e serviços à taxa de 23%. Daí que será de contar que entre o
acréscimo de receita com IRS e do IVA, o Estado arrecadará entre 30 a 35% mais,
ou seja entre 400 000 000 e 450 000 000 de euros.
Assim sendo
as necessidades de cortes adicionais na despesa deverão situar-se por volta dos
850 000 000 de euros. O que deixa imediatamente a pergunta:- Que outro dos
habituais seus buracos quer o Ministro Gaspar tapar com este corte acima das
necessidades que o chumbo do Constitucional implica? Ou não será apenas mais
uma tentativa de manipular a opinião pública de forma considerar a
inevitabilidade dos cortes e responsabilizar o Tribunal Constitucional pelo
falhanço desastroso das políticas que ao seu ultraliberalismo e subserviência
perante os grandes interesses financeiros alemães e mundiais? A conclusão
parece clara.
Para além
disso o aumento de rendimento disponível de um grupo alargado de portugueses,
mesmo que modesto, vai corresponder a uma injecção de dinheiro na economia e
provavelmente minorar, durante algum tempo o ritmo de falências e de aumento de
desemprego, permitindo ganhar algum tempo e afrouxando um pouco o aumento de
custos com subsídio de desemprego, o que também é vantajoso para o Estado. E
deixará alguns empresários a pensar que com alguma animação do mercado interno
talvez valha a pena investir.
E que falar
da tentativa de mistificação a respeito da necessidade de andar a rever as
tabelas de retenção de IRS, quando se diz que não se quer aumentar a carga
fiscal? Então quem vai receber o subsídio de Natal não vai ver retido com a
taxa definida já sobre o mesmo? E o IRS não é um imposto que só é apurado
definitivamente no momento da entrega da declaração anual? E quantos
portugueses que vão receber o acréscimo com subsídio mudarão de escalão final
de IRS com o acréscimo de 6% a 7% do seu rendimento anual? E não se tem
verificado que grande número dos trabalhadores por conta de outrem e
pensionistas acaba por ser reembolsado do imposto retido a mais durante o ano,
o que funciona como uma forma de empréstimo forçado ao Estado?
Todos sabemos
que a situação do País, muito por culpa dos grandes especuladores financeiros
internacionais, que não por pecado seu, está numa difícil situação financeira,
económica e social, que neste último caso se aproxima da catástrofe. E que é
preciso fazer alguns sacrifícios durante mais tempo do que seria desejável. Mas
se não forem claros com os portugueses, deixando de parte os pequenas/grandes
jogos políticos (o país não é um mero tabuleiro de xadrez e os portugueses não
podem ser meros peões do jogo e unidades estatísticas de uma folha de Excel)
não será possível conseguir qualquer tipo do tão reclamado consenso sobre as
estratégias de médio e longo prazo para Portugal.
Mas falem
verdade e não nos tentem manipular para fazer vingar concepções ideológicas
ultraliberais, que foram as responsáveis com a ascensão ao poder de Reagan nos
e EUA e Thatcher na Inglaterra, pela desregulação dos mercados financeiros
internacionais e da especulação financeira desenfreada que nos conduziu a crise
financeira de 2008.
Pede-se que o
Ministro das Finanças tenha respeito pela nossa inteligência, mesmo que a
considere pouca.